O direito de acesso a julgamentos públicos pelos advogados é um dos pilares da transparência da atividade jurisdicional e da garantia de um devido processo legal.
Essa prerrogativa foi conquistada após intensa luta da advocacia e tem raízes históricas profundas, remontando aos pensamentos de Cesare Beccaria e Jeremy Bentham, que defendiam o princípio da publicidade dos julgamentos como um mecanismo para conter abusos dos juízos secretos. A transparência, portanto, é fundamental para assegurar o controle social sobre a atividade jurisdicional e a legitimidade das decisões.
No entanto, situações de restrição têm gerado polêmicas e questionamentos sobre possível abuso de autoridade e violação de prerrogativas da advocacia.
O que diz a lei sobre o acesso a julgamentos públicos?
A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LX, estabelece que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Ou seja, a regra é a publicidade, com exceções restritas e justificadas.
O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) reforça esse princípio. O artigo 7º assegura ao advogado o direito de “ingressar livremente nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados”. Isso permite que a advocacia exerça sua função essencial na administração da Justiça, conforme prevê o artigo 133 da Constituição.
Para Gustavo Swain Kfouri, doutor em Direito do Estado e pós-doutor pelo The Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), da Universidade Mediterrânea de Reggio Calabria, limitar esse acesso “subtrai-se ao próprio comando sistêmico da Constituição Federal e compromete a legitimidade das decisões judiciais”.
Advogados podem ser impedidos de entrar em julgamentos?
Como regra, não. No entanto, há exceções. Casos que envolvem sigilo legal, como processos que tramitam sob segredo de justiça, podem ter a presença restrita aos advogados das partes. A Lei 8.906/1994, em seu artigo 7º, § 10, determina que “nos casos de sigilo legal, apenas os advogados constituídos ou devidamente habilitados nos autos terão acesso”.
Além disso, situações que comprometam a ordem do julgamento podem justificar restrição temporária. O artigo 792, § 1º, do Código de Processo Penal, permite que o juiz limite a publicidade caso a presença do público possa “resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem”.
Diferença entre advogados e o público geral
Embora o princípio da publicidade assegure o direito de qualquer cidadão assistir a julgamentos, os advogados possuem prerrogativas específicas. “O advogado, diferentemente do leigo, é agente jurídico com a função de fiscalizar a lisura dos atos processuais e garantir o respeito aos direitos fundamentais”, explica a advogada Laís Bergstein, doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Essa distinção é reforçada pelo artigo 7º, inciso XIV, do Estatuto da OAB, que garante ao advogado o direito de “examinar autos de investigação em qualquer fase, mesmo sem procuração”, salvo se houver risco comprovado à eficácia da investigação.
“Geralmente, o direito de presença nos julgamentos públicos se estende a todos os advogados inscritos regularmente na OAB, ainda que não estejam atuando diretamente na causa. Trata-se de prerrogativa da advocacia, que exerce importante função assecuratória do devido processo legal”, acrescenta a advogada.
Restrição de acesso pode configurar abuso de autoridade?
Em casos em que não há fundamento legal para impedir o acesso de advogados a julgamentos públicos, a medida pode ser interpretada como abuso de autoridade. A Lei 13.869/2019, que define os crimes de abuso de autoridade, criminaliza a violação das prerrogativas da advocacia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem reiterado a inconstitucionalidade de restrições indevidas ao exercício da advocacia. Episódios históricos demonstram os riscos da falta de transparência, como os julgamentos fechados em regimes autoritários. Na União Soviética das décadas de 1930 a 1950, por exemplo, advogados eram impedidos de assistir a sessões, resultando em confissões forçadas e execuções sumárias.
Como alerta Laís, “a ausência de publicidade transforma o juiz em inquisidor, o que é incompatível com o Estado Democrático de Direito”. A publicidade, portanto, permite que a sociedade e os operadores do Direito, incluindo advogados não constituídos, fiscalizem a regularidade do processo, evitando arbitrariedades e assegurando direitos fundamentais, como o contraditório, a defesa técnica e a paridade de armas.
Conclusão
O direito de acesso dos advogados a julgamentos públicos é uma garantia essencial do Estado Democrático de Direito e um instrumento de transparência do Judiciário. Ainda que existam exceções previstas na legislação, o impedimento indevido pode comprometer a legitimidade do processo e configurar abuso de autoridade.
Por fim, ressalta Kfouri que “na medida da menor participação cidadã na formação das decisões estatais, proporcionalmente maior será o déficit de sua legitimidade”.
Em tempos de desafios à transparência institucional, garantir o livre acesso da advocacia aos tribunais é um compromisso inegociável com os princípios democráticos, evitando retrocessos que comprometam os direitos fundamentais.